terça-feira, 19 de julho de 2016

O lançamento de granadas no Polígono

No meu curso de oficiais milicianos diversas vezes os instruendos se deslocaram a um terreno nos arredores de Vendas Novas pertencente à Escola Prática de Artilharia a fim de fazerem exercícios de tiro e de lançamento de granadas.
No caso do meu pelotão o instrutor era um jovem tenente de quadro permanente que manejava as armas com grande desenvoltura.
Num determinado dia o meu pelotão marchou em fila dupla do quartel até ao Polígono, assim se chamava a referida carreira de tiro. Aí chegados o nosso instrutor informou-nos de que iríamos fazer um exercício despoletando e lançando granadas. Encaminhou-nos então para uma trincheira existente com algumas dezenas de metros de comprimento e com a profundidade de cerca de 1,60 metros. No extremo dessa trincheira havia um espaço subterrâneo onde nos reuniu e onde dissertou sobre as granadas que iam ser deflagradas.
Depois convidou-nos a ocupar a trincheira seguindo metade do pelotão à sua frente e a outra metade atrás dele. Eu fazia parte do último grupo. E a dada altura iniciou o lançamento das granadas com ele próprio a fazê-lo e todos os instruendos abrigados na trincheira  ao mesmo tempo que esclarecia o que ia acontecendo.
No decorrer da prova alertou-nos que a próxima granada a ser lançada era de grande potência e que não nos admirasse-mos com o estrondo que provocaria ao explodir.
- Vai ser um estrondo dos antigos !
Mas não foi. Nenhum barulho se ouviu, uma vez que a granada não explodiu.
Fiquei preocupado com a situação, pois a sua explosão poderia acontecer a qualquer momento, uma vez que a granada já estava despoletada. Poderia até acontecer quando saíssemos da trincheira, o que seria muito perigoso, pois a parte metálica das granadas com a sua deflagração estilhaça-se em inúmeros pequenos pedaços atingindo tudo que exista à sua volta.
Para os humanos essa situação é muito perigosa uma vez que com a força da explosão esses estilhaços penetram profundamente nos seus corpos.
Mas o tenente explicou que não havia problema. Que seguidamente iria fazer deflagrar uma outra granada e que o sopro da explosão desta, por simpatia, faria explodir a que não tinha rebentado.
Não ficando muito convencido de que tudo correria com a facilidade que o tenente tinha dito resolvi, por isso, caminhar lentamente, meio curvado, até ao referido retiro subterrâneo no fim da trincheira. Fi-lo contudo com alguma dificuldade porque a minha deslocação não era fácil uma vez que entre a posição onde me encontrava até ao referido retiro estavam inamovivéis alguns colegas meus, embora outros já se movimentassem nesse sentido, à minha frente.
O tenente fez o que prometeu. Lançou outra granada que provocou uma violenta explosão. Mas da granada anterior nada, no imediato só se ouviu silêncio. A sua explosão verificou-se alguns momentos depois dentro da trincheira onde permanecia o instrutor e parte dos instruendos.
Quando eu já estava no abrigo ouvi então uma enorme gritaria vinda dos que foram atingidos por essa última explosão que, mais tarde, concluí terem sido nove instruendos.
A última granada lançada para o exterior da trincheira ao explodir com o sopro do seu rebentamento fez com que aquela que não havia deflagrado rebolasse até à trincheira, acabando por rebentar aí, praticamente no meio do tenente e dos meus camaradas.
Gerou-se então uma grande turbulência. Os atingidos pelos estilhaços queixando-se com gritos alucinantes de dôr e alguns que haviam sido feridos na cabeça e na cara, com o correr do sangue pelos seus olhos, imaginavam, desmoralizados, que os seus ferimentos eram muito mais graves do que na realidade eram e pediam a presença das suas mães, julgando-se no fim dos seus dias.
Ajudei no que pude bem como todos que não foram atingidos, ficando com o meu fardamento todo ensanguentado quando procurei amparar e acalmar os meus colegas feridos.
O tenente ligou para o Quartel e solicitou três ambulâncias. Todos os nove feridos puderam então ter os primeiros cuidados médicos e quando as ambulâncias iam partir para o Hospital, nessa altura, o tenente mandou que um sargento conduzisse, em formatura, para o quartel os restantes soldados cadetes do meu pelotão. Foi, depois disso que ele (o tenente) retirando um braço todo ensanguentado que tinha ao peito por dentro de um blusão de couro, referiu que precisava também de tratamento por ser um dos atingidos.
Dos nove feridos quatro foram depois levados para Lisboa de helicóptero para o hospital militar. Os outros e o tenente puderam ser tratados em Vendas Novas.
Dos quatro evacuados para Lisboa só dois é que voltaram para a Escola Prática de Artilharia. Os outros dois sobreviveram ao acidente mas, devido às mazelas que sofreram, foram desobrigados do cumprimento do serviço militar obrigatório.
No fim destas histórias reais que contei, resolvi fechar este meu livro com o dramático exercício de despoletamento e lançamento de granadas no Polígono de Vendas Novas. Desta maneira quero lembrar aos meus leitores o que afirmei no introito deste livro: a vida humana é uma comédia mas não deixa de ter também períodos difíceis, dramáticos, acabando sempre numa tragédia.

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