sábado, 16 de julho de 2016

A prova de orientação

A quando do cumprimento obrigatório do meu serviço militar em 1958 tive de frequentar, como já referi anteriormente, o curso de oficiais na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas, no Alto Alentejo. Desse curso faziam parte diversas disciplinas e exercícios de campo.
Um desses exercícios foi o de orientação. Acampados num terreno arborizado nos arrabaldes de Vendas Novas pelas 10 horas da noite de certo dia tocou a reunir e os diversos pelotões formaram-se prontamente.
Depois de verificado que todos os soldados cadetes estavam presentes o Comandante da Companhia informou-nos que naquela noite se iria realizar um exercício de orientação.
Foram-nos dados um mapa da região, uma bússola e um foco. Cada pelotão foi encaminhado para o seu unimog (veículo militar de transporte) onde os seus elementos foram obrigados a entrar.  Depois os unimogs arrancaram e cada um seguiu, pela noite fora um caminho diferente.
O que levava o meu pelotão, depois de percorrer alguns quilómetros por estrada acabou por entrar num caminho de terra batida e de estacionar num descampado.
Aí fomos descarregados e foi-nos dito que, agora, o regresso ao acampamento era por nossa conta, isto é que teríamos de regressar sem nenhuma ajuda ao local de onde partíramos a pé naquela noite fria de Inverno.
A seguir os instrutores meteram-se no veículo e foram-se embora. Ficamos sós com um mapa, uma bússola e um foco cada um.
Do meu grupo, como acontece normalmente em quase todos os grupos, logo houve alguns dos meus companheiros que afirmaram saber onde nos encontrávamos e qual a direcção que havia de ser seguida para chegarmos a Vendas Novas. Um desses líderes, tendo nascido em Goa, era descendente de indianos. Julgo que pertencia até a uma casta elevada e era tão inteligente como vaidoso.
Ao longo da sua vida foi professor universitário, ocupou cargos de responsabilidade no Estado e nas Misericórdias.
Logo conseguiu juntar à sua volta um numeroso grupo que se prontificou a segui-lo. Eu, na periferia do ajuntamento, tinha pouca vontade de o acompanhar, não porque duvidasse da rota traçada por ele mas porque pensava que caminhar a corta-mato em direcção a Vendas Novas não seria boa ideia, naquela altura, porque tinha chuvido muito nos dias anteriores, a terra estava enlameada e os ribeiros e riachos corriam cheios, impossibilitando a sua passagem a vau.
Enquanto cogitava sobre a situação um colega de origem alentejana, um pouco mais alto do que eu mas francamente mais gordo perguntou-me:
- Tu vais com eles ?
Respondi-lhe:
- Eu, não.
- Então qual é a tua ideia ?
- Eu vou seguir os rodados do unimog até à estrada e depois caminho por ela até ao acampamento. Desse modo não me perdirei e acabarei por chegar são e seco. Poderei chegar tarde mas chegarei.
- Tens um companheiro de viagem. Eu vou contigo.
Todos os outros foram partindo a corta-mato e nós os dois ficámos para trás. Depois seguimos os rodados do unimog.
Ao fim de uma boa caminhada acabámos por chegar à estrada nacional. Pouco depois de lá chegarmos vislumbramos uma placa de sinalização que dizia: Vendas Novas 22 Km.
Sem tropeções, em terreno seguro, sem lama nem lençóis de água caminhámos os dois a noite toda.
Falámos da nossa vida, do que pretendíamos fazer no futuro. Falámos da nossa família, das nossas namoradas, das nossas dúvidas, das nossas esperanças caminhando durante toda a noite.
Quando nos sentíamos cansados, principalmente por causa do meu companheiro que era pesadote, sentávamo-nos nos muros que delimitavam a estrada dos terrenos particulares quando os havia e nos marcos hectométricos implantados nas bermas da via rodoviária. E chegámos secos e sem lama ao Bivaque. Chegámos já com dia, muito cedo, cerca das seis horas e meia da manhã.
Encaminhámo-nos logo para cozinha para nos aquecermos e para bebermos qualquer líquido quente e comer, porque a viagem tinha sido longa e desgastante. Depois procurámos saber dos outros elementos do nosso pelotão.
Não tinham chegado ainda. Acabaram por chegar pelas sete horas da manhã, todos enlameados e molhados. A rota que tinham traçado estaria correcta. O problema é que encontram diversas linhas de água que não puderam atravessar nessa rota, procurando fazê-lo mais a montante no que perderam imenso tempo. O chão estava por sua vez toda empapado em água tornando a sua passada difícil e demorada.

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