terça-feira, 12 de julho de 2016

A Boneca

Ao relembrar as passagens que fiz por diversas terras detenho-me muitas vezes em certos lugares onde estive recordando os momentos agradáveis que lá vivi.
E uma das paragens em que mais de detenho é, sem qualquer dúvida, Valença do Minho.
Dada a vida um pouco errante dos meus pais percorri diversas zonas do país tendo passado alguns anos em Valença do Minho que considero a minha terra de eleição. Lá vivi dos sete aos doze anos. Lá tive os meus primeiros amigos, as minhas primeiras liberdades e inquietações, os meus primeiros sucessos e desgostos e a minha primeira namoradita.
Foi lá, em Valença do Minho, que iniciei a formação da minha própria personalidade e onde concebi os meus primeiros sonhos.
A cidade é uma maravilha, com a sua parte antiga situada numa pequena elevação abraçada por uma muralha fortificada e a parte mais moderna desenvolvendo-se ao redor dessa muralha.
A ladear Valença à o Rio Minho que separa Portugal de Espanha, rio de uma grande beleza paisagística. Do outro lado do rio situa-se Tuy, uma cidade espanhola sempre presente para quem vive em Valença, pois localizando-se numa zona altaneira são sempre visíveis do lado português alguns dos seus edifícios.
Era de Tuy a freira que me ensinou a catequese para eu poder fazer a comunhão.
Vinha todas as tardes a pé da cidade espanhola, atravessando a velha ponte metálica sobre o Rio Minho, subindo um escadório logo a seguir à alfândega do lado português, percorrendo um túnel (a gambiarra ) e entrando na parte velha de Valença do Minho onde se situava (e situa) a igreja paroquial.
Eu soube pelas minhas duas irmãs, mais novas, que se andavam a preparar para fazer a comunhão. Brioso como sempre fui não me conformei por ver as minhas irmãs passarem-me à frente neste capítulo. Por isso, numa certa tarde, resolvi irromper pela igreja a dentro na procura de alguém que me orientasse no sentido de também poder fazer a comunhão no mesmo dia que elas.
Quem me interpelou foi a referida freira espanhola perguntando-me o que procurava. Depois de lhe dizer o que pretendia acolheu-me amorosamente, tendo-me feito uma recepção calorosa e integrou-me no grupo que estava catequisando.
Foi-me avisando de que o grupo já estava sendo preparado a algum tempo e que por isso eu teria de fazer algum esforço para puder recuperar o atraso que tinha em relação aos seus elementos.
Logo assegurei à freira que não havia problema a esse respeito pois procuraria aprender depressa a parte do catecismo que já havia sido dada. E assim foi. Fiz a comunhão ao mesmo tempo que as minhas irmãs. E ganhei uma grande amizade com a freira que, mesmo depois de deixar de ser minha catequista, me trazia muitas vezes pequenas lembranças de Tuy como caramelos e chocolates.
E a minha aplicação foi tal no respeitante à religião que cheguei mesmo a ajudar o padre na missa dominical.
Naturalmente que concorreu para isso também a influência das freiras do colégio que frequentei. O colégio era frequentado por rapazes e raparigas, mas uns e outras assistiam às suas lições em alas diferentes do grande edifício que tinha entradas e saídas separadas.
Durante as aulas nunca via-mos as raparigas nem elas viam os rapazes. Somente podíamos contactar as alunas externas cá fora, antes da entrada do colégio ou à sua saída. Às alunas internas nunca lhe púnhamos os olhos em cima se não quando o ano escolar terminava. Nessa altura as freiras juntavam-nos para preparar-mos uma grande récita de final do ano de que fazia parte uma peça de teatro, algumas exibições musicais de piano, de acordeão e de guitarra interpretadas por alunos do colégio e no encerramento exibia-se um conjunto coral formado por estudantes de ambos os sexos.
Foi numa dessas festas que eu fui acometido pela minha primeira paixão. E logo pela figura feminina central da peça de teatro em que ela representou uma boneca.
Era a rapariguinha mais bonita de Valença. Foi ela a minha primeira namoradita. O seu verdadeiro nome era Fernanda, mas depois da peça de teatro toda a gente passou a chamar-lhe Boneca.
E essa minha paixão perdorou por algum tempo.
Mais tarde com os meus catorze anos ainda lhe escrevi os seguintes versos:

             Boneca

Se eu procurar, Boneca,
Por Hancheu e por Rangum
- Correr mesmo Seca e Meca -
Não hei-de encontrar boneca
Mais bonita do que tu.

Porque boneca mais linda
Não há, de certo, na China
- Em Xangai ou em Pequim - 
Mesmo feita de caulim
Da porcelana mais fina

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