segunda-feira, 11 de julho de 2016

Monsieur Pinô

Ainda estava ao serviço da extinta Junta Autónoma de Estradas como Engenheiro Técnico quando, sem me ter candidatado a coisa nenhuma, fui designado para usufruir de uma bolsa da OCDE e fiz um estágio em França sobre vias rodoviárias.
Durante uma semana inteirei-me em Paris da organização da Direction des Routes (órgão estatal responsável pelas estradas de França). Depois passei algum tempo por Bordéus e acabei a minha missão em Toulouse por os directores do meu estágio considerarem haver alguma semelhança entre esta região de França e a região de Viseu onde vivia e ainda vivo.
Nesse estágio tive muitas surpresas. Logo no início verifiquei que os franceses colocavam as pessoas e as suas qualidades acima dos seus títulos académicos. Tratavam-se todos por monsieur fulano ou sicrano, ignorando os títulos profissionais que possuíam. Fui até surpreendido quando os coordenadores do estágio procuraram saber a minha opinião sobre o programa do mesmo solicitando que o "Messié" Pinô discorresse sobre o assunto. Fiquei à espera que o nomeado Pinô dissertasse sobre o programa, mas como ninguém respondia ao chamamento e os olhos dos meus interlocutores se concentravam em mim acabei por perceber que o Pinô era eu. O meu nome é Fernando de Pinho Valente e os franceses resolveram tratar-me pelo segundo nome: Pinho. E como o "h" não tem leitura (som) na sua língua e o "o" se lê ô acabei por ser designado por Pinô.
Todos os engenheiros franceses, alguns muito qualificados e capazes, eram tratados pelo nome de família. E nos seus trabalhos, relatórios e projectos sempre assinavam o seu nome em primeiro lugar e por debaixo indicavam as escola onde se haviam formado.
Conversando com "Messié" Lafargue, um ilustre engenheiro de pontes e pavimentos, que conhecia Portugal, referiu-me que se tinha apercebido que no nosso país havia uma grande atracção pelos cursos universitários, por esses cursos darem um estatuto especial a quem os obtinha e que havia um défice muito grande de profissionais em vários ramos.
E sobre este assunto contou-me uma história. Disse-me que conhecia uma família francesa com dois filhos: um que sempre foi muito bom estudante e o outro com pouca apetência pelos estudos. O primeiro dos irmãos deu imensa alegria aos seus progenitores pois sempre obteve altas classificações, licenciado-se, doutorando-se e, na altura, era professor universitário. Do mau estudante durante alguns anos os pais só tiveram desgostos e tristezas.
Mas este acabou por se colocar como canalizador assalariado. Depois montou uma empresa de canalizações, em que tem a seu cargo diversos profissionais dessa especialidade. Ganha muito bem. Os seus proventos são superiores ao do seu irmão professor universitário. É ele quem paga as férias aos seus pais. E o irmão muitas vezes também é convidado. Quando os pais adoecem e precisam de cuidados médicos é ele também que paga as despesas de saúde que eles fazem.
O dinheiro não é tudo na vida mas ajuda muito para se poder viver com alguma qualidade. E o filho da referida família francesa, sem vocação para estudar, soube no entanto fazer o seu próprio percurso de vida com dignidade e materialmente bem recompensado.

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