O meu tio Zeferino era Barão. O pai dele fez fortuna no Brasil. Mas não fez somente fortuna, também socialmente se elevou de tal forma que chegou a ser cônsul de Portugal em Santos.
Regressado a Portugal construiu em Cete, na proximidade de Paredes, um palacete cercado por uma apreciável área de terreno que foi ocupada com anexos, jardins e terreno agrícola.
Na referida povoação de Cete patrocinou diversas obras: como a abertura de novos arruamentos, a construção do quartel de bombeiros voluntários e a reconstrução da igreja matriz.
Pelos serviços prestados ao país em Santos, no Brasil e pela sua contribuição na melhoria das infraestruturas de Cete o Rei D. Carlos I concedeu-lhe o título de Barão por três gerações.
Por isso o seu filho Zeferino Lourenço Martins, casado com uma irmã de minha avó paterna, também beneficiou do referido título de nobreza.
Eu conheci bem esse meu tio por afinidade. Era um homem muito simples e muito comunicativo. Não me lembro, no entanto, de o ver ocupado alguma vez em qualquer actividade.
Vivia, ao que julgo saber, absolutamente dos rendimentos que o pai lhe havia transmitido. Dos rendimentos de Cete e do Brasil e dos "papeis" como ele dizia e que eu, mais tarde, percebi tratar-se de acções da bolsa que tinha em diversas empresas nacionais.
Era muito dedicado à família acompanhando os seus próprios filhos e os seus sobrinhos na sua vida escolar e até extra-escolar.
Lembro-me que, aquando do meu exame do segundo ano (hoje sexta classe) de ensino secundário, me acompanhou por diversas vezes ao Liceu D. Manuel II (hoje Rodrigues de Freitas) no Porto.
Nesse tempo só dispensava da provas orais quem obtivesse dezasseis valores nas provas escritas. Não tendo obtido essa nota fui, por isso, submetido a provas orais.
O senhor Barão, como algumas pessoas ainda o tratavam, esteve presente nas minhas provas orais de matemática e de ciências naturais.
Na primeira das referidas disciplinas portei-me muito bem, pois estava preparado e tinha pelos números alguma inclinação. Mas nas ciências naturais já não estava tão seguro. Nessa matéria tinha até algumas dificuldades.
Naquele tempo os assistentes aos exames orais só podiam entrar e sair da sala de exames nos finais das provas de cada examinando ou no início das mesmas.
Quando estava a ser questionado em ciências naturais e depois de ter dado algumas respostas pouco correctas a questões que me foram apresentadas pelo examinador verifiquei que o meu tio Zeferino, infringindo as regras, saía pedindo desculpa ao júri.
A minha prova, depois disso, continuou e até consegui concluí-la com algumas respostas acertadas.
Quando acabei o exame e sai da sala preocupei-me em saber o que se havia passado com o meu tio Zeferino. Encontrei-o no hall do liceu verdadeiramente zangado.
- Parece impossível, disse ele. Como é que foste capaz de dizer tanta asneira em ciências naturais depois de uma boa prova de matemática. Enervaste-me de uma maneira tal que tive de sair da sala de exame e o pior é que não consegui segurar-me e estou todo mijado.
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