Numa noite fria apeteceu-me passear. Caminhei por ruas de que não me lembro e fui surpreendido numa viela escura e sozinha por música de dança.
Era um turbilhão avassalador o ruído dos tambores, dos pratos e dos cornetins.
Deixei-me arrastar até ao local de onde vinha esse ruído avassalador.
Uma rapariga do povo, surgindo do escuro, informou-me que se tratava de um ensaio.
- Aos domingos é que eles tocam a valer. Há baile todos os domingos.
- No próximo domingo hei de vir.
- Ah ! Ah ! Ah ! - fez ela numa gargalhada doida e os seus olhos faiscavam de malícia. Isto não é para si.
Fez-me um sinal com o indicador duma das suas mão e reparei, então, num pequenito empoleirado numa janela seguindo a música.
A seguir o silêncio reinou entre nós, a rapariga fremente de prazer, o rapaz regorgitante de alegria e eu atordoado de desejo, de música e de vergonha.
Depois deixei de ouvir a música, de sentir a rapariga e de notar o rapaz.
Caminhei pela viela mal calcetada, em direcção a casa. Caminhei, cheio de vergonha, tropeçando aqui e ali.
Não ia longe porém, quando percebi que o rapazito me chamava:
- Senhor ! Meu senhor !
- Que me queres tu, rapazito ?
- A minha irmã mandou-me chamar por si. Meu senhor dê-me um escudo.
- Canalha ! Sai-me da vista ou dou-te um par de açoites ! Foge ! Judas !
Ele correu com quanta força tinha. Só bem longe é que parou para me dizer:
- É doido ! ...
E eu, com os cabelos molhados da chuva, e uma grande confusão no espírito, regressei a casa naquela noite fria.
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